26/09/2024
JOÃO VITOR SANTOS DE ALCÂNTARA
Advogado Criminal
Especialista em Criminologia e Direito Penal (PUCRS)
Nesse mês de setembro de 2024 a 12ª Vara Criminal de Recife, vinculada ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, acolheu a representação policial no âmbito da Operação Integration e decretou as prisões preventivas da influenciadora digital Deolane Bezerra e do cantor Gusttavo Lima.
Evidentemente, em razão da fama contundente dos investigados cuja ordem de prisão foi expedida, o assunto se tornou nacional: os noticiários são alimentados diariamente com dezenas de informações sobre a atuação da Polícia Judiciária, do Ministério Público e do Poder Judiciário pernambucano.
De início, faço um destaque: esse texto não é uma defesa aos investigados. As explicações e justificações deles caberão aos patronos por eles constituídos.
Mais: esse texto não é uma defesa a nenhuma das condutas ilícitas a eles imputadas pela Polícia Judiciária (o envolvimento com as “bets”, p. ex.).
Esse disclaimer é importante em razão de que a seguir serão pontuadas algumas questões juridicamente problemáticas e, especialmente no processo penal, que se originaram em momento longínquo, muito antes do nascimento de Nivaldo Batista e, evidentemente, há mais tempo do que o de “Gusttavo Lima”.
A reflexão é sobre o uso da prisão preventiva a serviço da falsa sensação de impunidade no Brasil. Explico:
A regra constitucional e processual penal no Brasil durante a investigação policial e no trâmite processual criminal é a da liberdade. A exceção é privação (ou restrição) à liberdade.
Ainda que a prática jurídica busque intensivamente atenuar essa regra, excetuando, de forma excessiva, esse sistema, a verdade é que a liberdade enquanto não houver condenação definitiva deve (ou deveria) prevalecer.
Contudo, o Poder Judiciário (especialmente na 1ª instância), ao acolher representações policiais (ou ministeriais) em situações manifestamente incabíveis ou com a finalidade de atender, tão somente, ao espetáculo jurídico, causa uma sensação social de que “as leis no Brasil não funcionam”.
Veja-se: a Vara Criminal de Recife/PE decretou a prisão. O Tribunal de Justiça de Pernambuco, órgão hierárquico superior à Vara Criminal, considerou a decisão de prisão antecipada errada e determinou a soltura.
Após esses desdobramentos, diversos portais de notícias, dentre eles, um dos maiores do país, o G1, publicou uma série de notícias informando para o público que, mesmo após a soltura dos investigados famosos, a investigação contra eles “não morreu”, continuará.
Foi (e está sendo) necessário informar, mais, aos leitores, que a soltura dos famosos investigados não significa que, caso haja “risco ao processo”, eles não possam ser presos novamente.
O plano de fundo dessas notícias revela o seguinte: há, sim, para o público, uma sensação de que, em um primeiro momento houve uma responsabilização, em tese, correta, de criminosos. E, após, uma complacência da “Justiça” com criminosos (ao determinar a soltura). O problema é que a investigação está em fase inicial, sequer existe processo, e tão menos, condenações contra eles.
No entanto, sem juízo de valor pessoal em relação à decisão que decretou a prisão, analisando, somente, a concessão do habeas corpus pela instância superior para revogar o decreto de prisão preventiva, é necessário destacar o seguinte: a “Justiça” que decretou a prisão é a mesma “Justiça” que revogou a prisão.
A propósito, em teoria, o órgão que reverteu a decisão seria mais qualificado (em tese, pela qualidade de seus membros e da quantidade de juízes julgando um mesmo caso [quórum qualificado]). Mas, é inegável, a sensação comum é de que a “Justiça que solta” é errada e a “Justiça que prende” é a correta.
Contudo, uma atuação inadequada das instâncias originárias do Poder Judiciário ao decretar prisões onde elas seriam incabíveis pressiona a opinião pública contra o próprio Poder Judiciário quando, nas instâncias superiores, ocorrem revisões de prisões incabíveis.
Ou seja, em suma, a atuação descuidada de magistrados ao decretar prisões sem a existência de justificativas técnico-jurídicas e em observância às normas constitucionais e processuais penais, em favor do entretenimento jurídico-midiático, constitui um desserviço ao próprio Poder Judiciário. E alimenta, continuamente, uma sensação comum de que, no Brasil, as leis não funcionam e que, no país, “ninguém é preso”. E isso quando nos encontramos, atualmente, com a terceira maior população carcerária do mundo.