DIREITO AGORA

"Gordofobia" nos estádios de futebol é crime?

29/08/2023

 

LUIZ ANTONIO CÂMARA

Advogado Criminal. Doutor e Mestre em Direito Penal e Processual Penal (UFPR).

Ex-professor da PUCPR e do UNICURITIBA.

 

Confesso que me assustei ontem, quando ouvi notícia de que um futebolista de time carioca, que atuava em gramados paranaenses, fora levado à Delegacia pela prática de gordofobia contra um torcedor da equipe rival.

Conforme o site Um Dois Esportes, o atleta, xingado pelo torcedor, teria inflado as bochechas imitando uma pessoa gorda para ironizar o rapaz, menor de idade e acompanhado pelo pai na assistência da peleja (https://www.umdoisesportes.com.br/athletico/acusacao-de-gordofobia-contra-torcedor-causa-confusao-em-athletico-x-fluminense/ ).

Apesar da notícia de que, após ameaças de comunicação do fato à polícia, ambas as partes “desistiram de levar o caso adiante”, na súmula do jogo o juiz afirmou que, ao final da partida, o Delegado da Delegacia Móvel Atendimento do Futebol e Eventos de Curitiba se dirigiu ao banco de reservas do time fluminense para conduzir o zagueiro até o órgão policial. Também não ficou claro se o deslocamento até a Delegacia ocorreu ou, mesmo, se na própria Arena foi lavrado registo da ocorrência (especialmente um termo circunstanciado comumente conhecido por T.C.).

Diante do fato e da notícia, embora seja advogado criminal há 37 anos e velho professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal (por 25 anos), socraticamente assumi que “sei que nada sei” e, diante da velocidade espantosa na criação de novos crimes (inclusive pelo Poder Judiciário) perguntei à minha esposa e sócia, também advogada criminal:

Gordofobia já é crime?!”

Ela, então, me respondeu “Não, não é”.

Mas completou o raciocínio dizendo que as autoridades policiais, na lavratura dos termos circunstanciados (documento que registra o ocorrido a pedido da parte ofendida ou de quem seja seu representante), estariam classificando a conduta como sendo injúria, crime previsto no art. 140 do Código Penal Brasileiro cuja pena varia entre 1 a 6 meses de detenção ou multa. E que há notícias de que juízes (de Direito) têm sido seduzidos pela mesma classificação, condenando o “marginal” por prática criminosa e, mais, sem querer fazer trocadilho e nem ofender, fixando gordas multas por danos morais.

Minha experiência me levou a pensar que, tendo os fatos ocorrido como a imprensa os noticiou (xingamento pelo rapaz, que, não improvavelmente disse ser o jogador “filho de uma grande mundana” e revide por este, com o inflar das bochechas e lançamento de olhar gélido direta e exclusivamente ao jovem), não haveria crime de injúria: apesar de o ato ser aparentemente ofensivo, é, nitidamente, constitutivo de resposta proporcional que pode ser entendida como expressão do direito de defesa. Sem querer complicar as coisas, na esfera jurídico-penal diz-se que falta aí o dolo (vontade e consciência)/tipo subjetivo de ofender, essencial à caracterização dos crimes contra a honra (complicando um pouco mais, se encontra ausente o animus injuriandi). A conduta é atípica.

Infelizmente, situações como a descrita são rotina nos estádios. E reclamam reflexão sobre a criminosidade da conduta dentro ou fora deles. A propósito, parecem-me essenciais respostas às seguintes perguntas:

a)    No caso noticiado é razoável que a autoridade policial detenha o jogador e o conduza à Delegacia, contra ele abrindo investigação criminal preliminar? 

b)    Após, havendo instauração de processo, é razoável que sobrevenha condenação judicial?

Penso que a situação difere - em muito - dos casos de racismo, por exemplo. E que a resposta deve ser negativa para ambas as demandas.

Isso em razão de que creio, firmemente, que a Delegacia de Polícia e o Juizado Criminal não podem funcionar como instâncias alternativas para a resolução de micro conflitos. E que a discussão da questão deva se dar em juízos extrapenais e, até mesmo, extrajudiciais, com a fixação de justas indenizações em favor do ofendido. A discriminação, evidentemente, não é tolerável. Mas não reclama a imposição de prisão nem intervenção penal.

O Direito Penal, como dizia o grande e saudoso penalista alemão WINFRIED HASSEMER, não é remédio para todos os males.

Confesso torcer para que, após a leitura dessas breves linhas, em que claramente confessei que pouco sei, ninguém me rotule como “ignorante”. Pois se tal ocorrer, serei obrigado a processar os ofensores. Não só por injúria (art. 140 do Código Penal), mas também por difamação (art. 139 do mesmo Código, com penas que vão de detenção de 3 meses a um ano e multa). Farei de tudo, moverei mundos, para que os malfeitores empobreçam e apodreçam no cárcere. E mais: encorajarei congressistas adeptos do populismo penal democrático e libertário à apresentação de projeto de lei que classifique ambas as infrações como crime hediondo e imprescritível; que preveja a retroatividade da lei penal mais grave para as mesmas infrações e que estabeleça que a pena para elas seja a de prisão perpétua quando a vítima for advogado criminal e ex-professor.

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