13/08/2021
LUIZ ANTONIO CÂMARA
Advogado Criminal (UEM/UNICURITIBA).
Doutor e Mestre em Direito Penal e Processual Penal (UFPR).
Ex-professor da PUCPR e do UNICURITIBA.
Entra em vigor no próximo dia 20 de agosto o Provimento 205 do Conselho Federal da OAB que regula o chamado marketing jurídico.
É a primeira vez que na regulação da publicidade a OAB se defronta com a massificação das redes sociais, especialmente Whatsapp, Facebook, Instagram e Linkedin, que ampliam possibilidades de apresentação.
Diante do potencial de exposição do advogado principalmente nas redes sociais, analiso o que segue em confronto com a nova normação:
1. O uso do título de doutor por advogados.
2. Os limites para o anúncio de especialidade (art. 3º, III).
Vejamos:
1. Se entre nós, advogados, o uso do título doutor é predominante, considerando alguns que somos “doutores por excelência”, em outras categorias é unânime. Por exemplo, a dos médicos que, mesmo sem especialização, são assim chamados. Outros atuantes na área da saúde, inclusive, incentivam o uso: para os fisioterapeutas, a Resolução nº 23/2000 do CREFITO-8 diz que o título pode ser usado por profissional de Fisioterapia e Terapeuta Ocupacional. O Conselho Federal de Enfermagem, na Resolução COFEN nº 256/2001, autoriza que enfermeiros usem o título, objetivando a manutenção da isonomia entre os componentes da Equipe de Saúde.
Quanto a nós advogados, utilizam-se dois fundamentos jurídicos para que nos nominemos doutores, a) um legal e b) o outro costumeiro:
a) A Lei de 11 de agosto de 1827, sancionada pelo Imperador Pedro I, cujo artigo 9º[1] deferiria ao bacharel em Direito o título de doutor.
Nessa semana, no dia 11.08, na comemoração do dia do advogado, vi nas redes invocações da Lei Imperial para justificar o uso do título.
Contudo e com respeito devido a todos que pensam de maneira diversa, a normativa não serve para a defesa do argumento:
A Lei do Império não deferia ao bacharel o título de doutor.
Na Lei citada havia duas espécies de titulados: uma, a dos bacharéis, dos quais se exigia cursar Direito durante 5 anos, com aprovação. Outra, expressiva de um plus, era a dos doutores, aqueles que se habilitassem com os requisitos que “se especificassem nos Estatutos”. Os Estatutos eram, claro, os das duas faculdades de Direito então criadas (São Paulo e Olinda) e, obviamente, não os da OAB, criada mais de 100 anos depois, em 1930.
Aliás, é evidente que já à época se impunha a necessidade de formação complementar para o magistério e obtenção do título de doutor. Só este poderia ser lente. A propósito, TURA[2], interpretando a disposição legal:
“Traduzindo o óbvio. A) Conclusão do curso de cinco anos: Bacharel. B) Cumprimento dos requisitos especificados nos Estatutos: Doutor. C) Obtenção do título de Doutor: candidatura a Lente (hoje Livre-Docente, pré-requisito para ser Professor Titular)”.
Em síntese: os formados em Direito eram bacharéis, não doutores. Para ostentar esse título deveriam atender requisitos complementares. Para exercer o magistério era necessário ser titulado como doutor.
A rigor, a regulação exposta na Lei do Império não se distanciava da orientação atual: embora não se exija, é desejável que os exercentes do magistério sejam preferencialmente doutores. A titulação não defere automaticamente saber aos doutores. Mas é bom vê-los nas escolas de Direito.
Lembre-se, mais, que a L. 8.906/94, que instituiu a obrigatoriedade do exame, não defere aos advogados o título de doutor.
b) A tradição autoriza o uso do título pelos advogados.
Afirma-se que, desde tempos imemoriais, os experts legais são chamados doutores. Exemplificativamente, citam-se os “doutores da lei” das passagens bíblicas. Logo, quem tem conhecimento aprofundado em leis, pode ostentar o título de doutor. Assim, o costume conferiria o título.
Ainda com o devido respeito, o argumento é inaceitável. Qualquer análise histórica demonstra que a titulação, especialmente a partir da criação das universidades medievais, se ligava ao magistério.
Logo, é correto dizer que nós, advogados, não somos doutores. A não ser que tenhamos doutorado. E, ainda assim, o título deve ser usado com parcimônia, predominantemente no meio acadêmico.
E claro, o fato de sermos ou não doutores, não nos fará melhores ou piores advogados.
Em países desenvolvidos o título de doutor raramente é deferido ao advogado. Conforme CARVALHO[3] “ao contrário do que ocorre no Brasil, é raro nos Estados Unidos os advogados receberem o tratamento de Doctor. Referido tratamento é conferido apenas ao profissional que possui título de doutor (Ph.D in Law)”. Na Itália é chamado “avvocato”; na França “maître”, no Reino Unido chamam-no “solicitor” ou “barrister’.
Em Portugal o uso do título por diversas categorias era comum. Entretanto, vem caindo em desuso.
Concluo que advogado sem doutorado não é doutor e é recomendável que não use o qualificativo.
Parafraseando MELANIA AMORIM, doutora pela UNICAMP, a palavra doutor expõe carga hierárquica que afasta o profissional da gente comum. Aquele tudo sabe e essa se submeterá passivamente às suas orientações. A professora conclui que isso não é adequado numa era em que o exercício das profissões deve se embasar na humanização das relações[4].
Diante do exposto, penso que, em conformidade com as novas normativas, não devemos nos apresentar como doutores. Nos cartões de visita, no site da internet, nas redes sociais, etc. devemos ostentar, orgulhosamente, a profissão que escolhemos e exercemos: ADVOGADO ou ADVOGADA.
2. Quando regula a indicação da especialidade pelo advogado o Provimento 205/21, no art. 3º, III, veda o “anúncio de especialidades para as quais não possua título certificado ou notória especialização, nos termos do parágrafo único do art. 3º-A do Estatuto da Advocacia”.
Embora tenha se anunciado continuamente que a nova regulação se pautaria pela busca de isonomia entre advogados experientes e iniciantes, a norma em destaque parece caminhar em sentido oposto. Veja-se:
É importante que se busque extinguir a figura do advogado especialista em generalidades (em cuja placa se lê “Especializado(a) em Trabalhista, Civil, Tributário, Societário, Criminal, Família, Internacional, Aéreo”).
O generalista deve se identificar apenas como “Advogado”.
O problema surge quando, especialmente o jovem advogado, às vezes sem recursos para cursar especialização, ou, mesmo, sem querer cursá-la (por exemplo, pela ruindade de muitas das pós-graduações lato sensu, sem qualquer espécie de controle), opta por atuar numa área especifica do Direito.
O jovem profissional pode, ainda, estar cursando pós-graduação lato sensu (Especialização) na mesma área em que advoga. Ou, como ocorreu comigo, stricto sensu (mestrado e doutorado), que demanda mais tempo. E, nos termos duros do Provimento, não será especialista.
A pergunta que não cala é a seguinte: algum advogado, desde o início da carreira, cursando ou não pós-graduação, atuando numa só área, pode se apresentar como especialista numa área específica do Direito?
A princípio, em conformidade com o Provimento, mesmo se o advogado atuar exclusivamente numa área (como fiz, quando comecei, só na esfera penal), não poderia se identificar como especialista em razão de não possuir o “título certificado”.
A outra forma de comprovação de especialidade é de ainda mais difícil consecução: dando seus primeiros passos na advocacia, o profissional não terá “notória especialização”. Essa sobrevirá com o tempo. Mas, quando?
Com o passar de bastante tempo, conforme critério oferecido pelo Parágrafo Único do art. 3º-A do Estatuto da OAB. Veja-se:
“Considera-se (com) notória especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.
Fundará, então, o reconhecimento da notória especialização o conceito elevado do advogado. Este decorrerá de desempenho passado, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, etc.
Convenhamos: para o preenchimento integral ou ao menos parcial de tais requisitos, é necessário o transcurso de no mínimo uma década.
A regulação favorece advogados antigos e prejudica os jovens.
Creio, entretanto, que, determinadas situações, especialmente quando combinadas, autorizam o reconhecimento da especialidade:
Cursar pós-graduação em Escola de Direito com o selo “OAB Recomenda”; ter, na graduação, participado de projetos de pesquisa ou de iniciação científica na mesma área em que advoga; nela ter apresentado monografia; estagiado em escritório de notória especialização; ser aprovado no exame da OAB na mesma área e ter publicado artigos científicos qualificados.
Assim, atendidos alguns requisitos expressivos de conhecimento e experiência em área jurídica específica, apresentando-se o advogado como especialista, não ofenderá a norma que regula a publicidade.
Em tais situações, para atender a necessidade de certificação, a própria OAB poderia expedir os títulos.
Por fim, a OAB deve tomar extremo cuidado com o também evidente estímulo dado pelo Provimento para a criação indiscriminada de cursos de especialização de baixo custo, pouca carga horária e escassa qualidade.
[1] Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes”
[2] TURA, Marco A.R. Doutor é quem faz Doutorado. Disponísvel em https://por-leitores.jusbrasil.com.br/noticias/1682209/doutor-e-quem-faz-doutorado, acesso em 10.08.2021.
[3] CARVALHO, Luciana. Advogados e títulos: J.D., LL.B, Esq., LL.M e PhD . Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalaw-english/61148/advogados-e-titulos--j-d---ll-b--esq---ll-m-e-phd. Acesso em 12.08.2021.